Faculdade Zumbi dos Palmares incentiva afrobrasileiros
a estudar
Em
funcionamento desde 2004 em São Paulo, instituição reserva 50% das vagas a afro
descendentes, que ainda somam apenas 13% dos universitários do país.
SÃO PAULO, Brasil – Enquanto a diversidade
gradativamente começa a ocupar os bancos acadêmicos do país, a discussão sobre
cotas raciais em universidades públicas voltou ao Supremo Tribunal Federal
(STF).
Os dez ministros do STF que participaram da votação
sobre cotas em universidades federais em 25 e 26 de abril foram unânimes: o
sistema não fere a Constituição.
Apesar da polêmica que ações afirmativas ainda geram
no país, o caminho à universidade está cada vez mais acessível aos
afrodescendentes.
Até 2000, apenas
2% dos universitários brasileiros eram negros, de acordo com a ONG Sociedade
Afrobrasileira de Desenvolvimento Sociocultural (Afrobras), que luta pela
inclusão dos negros no ensino superior.
Atualmente, o índice é de 13%, segundo o Ministério da
Educação (MEC).
“A situação está um pouco diferente em função do
ProUni, que possibilitou a muita gente de baixa renda estudar em universidades
particulares (com a oferta de bolsas de estudos)”, diz Francisca Rodrigues,
diretora de comunicação da Afrobras. “Mas a proporção ainda é bem pequena se
considerarmos que 51% da população é negra ou parda.”
O Programa
Universidade para Todos (ProUni) do governo
federal reserva bolsas a portadores de deficiência, indígenas, pardos e negros.
O número de cotistas é proporcional à sua distribuição na população, com base
nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Do total de 919.551 bolsas distribuídas pelo ProUni em
todo o país de 2005 a 2011, 35,34% foram para estudantes autodeclarados pardos
e 12,51% para os que se autodeclararam pretos.
Além disso, 51 dentre 123 instituições de ensino
superior públicas adotam cotas para negros, conforme o estudo “Mapa das Ações
Afirmativas no Brasil”, divulgado em 2011 pelo Instituto de Inclusão no Ensino
Superior e na Pesquisa.
Em tramitação na Câmara dos Deputados, projetos lei
(PL 3627, de 2004, e PL180, de 2008) querem tornar obrigatória a reserva de
vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e
indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior. E o PL
6630/2002 determina que os repasses do Fundo de Financiamento ao estudante do
Ensino Superior deem prioridade absoluta aos alunos afrodescendentes e ameríndios.
Antes mesmo que
essa discussão chegasse ao Congresso, os diretores da Afrobras, que reúne
intelectuais, autoridades e personalidades públicas, propuseram a criação
da Faculdade
Zumbi dos Palmares.
A ideia foi
defendida em 2000 junto ao MEC, como estratégia de inclusão dos afrodescendentes em todas as esferas da
sociedade.
Em 2003, o MEC autorizou o funcionamento da faculdade,
na capital paulista. Os primeiros cursos de graduação foram abertos no ano
seguinte: Administração, Direito, Publicidade e Propaganda, Pedagogia e
Tecnólogo em Transporte Terrestre.
Em 2013, ainda devem ser oferecidos os cursos de
Tecnólogo em Recursos Humanos e Tecnólogo Financeiro.
Primeira faculdade idealizada por afrodescendentes na
América Latina, a Zumbi dos Palmares leva o nome do principal líder negro
brasileiro.
Zumbi foi um líder notório do Quilombo dos Palmares, comunidades
fundadas por volta de 1580 no Nordeste do país, que reuniam escravos libertos e
fugitivos. Capturado pelos colonizadores portugueses, Zumbi foi morto em 1695.
Até hoje, seu
nome é sinônimo da luta pela igualdade racial no Brasil, onde a
escravidão foi abolida em 1888.
Educação para todos
A Faculdade Zumbi dos Palmares pode ajudar a diminuir
diferenças históricas na educação de brancos e afrodescendentes no país.
Em média, os
negros brasileiros têm 6,2 anos de escolaridade, contra 7,2 anos dos
brasileiros de outras raças, aponta o Observatório
da População Negra, criado pela Faculdade Zumbi dos Palmares,
juntamente com as Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da
República e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir). Entre os analfabetos brasileiros, 69% são negros.
A baixa escolaridade se reflete no salário:
afrodescedentes recebem R$ 464 ao mês, em média, contra R$ 640 pagos aos demais
brasileiros.
Dos 16,2 milhões de pobres do país, 11,5 milhões são
pardos ou negros, segundo o Censo de 2010 do IBGE.
Acreditamos que só com educação as pessoas conseguirão
galgar degraus, se inserir na sociedade e cobrar seus direitos”, diz Francisca.
Liberdade pela educação
A Faculdade Zumbi
dos Palmares também foi a primeira do Brasil a seguir a Lei 10.639, de 2003, que obriga o
ensino da história e cultura afrobrasileira.
Além do compromisso com a diversidade no currículo,
50% das vagas são reservadas a calouros afrodescendentes. Atualmente, 87% dos
1.800 alunos matriculados se declaram negros.
A Zumbi adotou diversas medidas pedagógicas para
facilitar a graduação superior de afrobrasileiros com dificuldades financeiras
e formação educacional básica deficiente:
·
Como 99% dos estudantes concluíram o ensino
médio em escolas públicas, há aulas de reforço para alunos com dificuldade de
aprendizagem;
·
Já que a maioria dos universitários trabalha,
todas as aulas são noturnas;
·
A mensalidade custa, em média, R$ 290, por 400
horas de aula por semestre.
·
“O valor foi determinante para minha escolha”,
confirma Tatiana da Silva Barros, de 25 anos, que se formou em Administração em
2011 e hoje trabalha para o departamento jurídico de um banco. “Ao nos dar essa
oportunidade , a faculdade incentiva outros negros a estudar.”
·
Alunos com mais dificuldades financeiras ainda
podem concorrer a bolsas de estudos, que cobrem 50% ou 100% da mensalidade.
·
Renato Manoel de Souza, 32, é um dos beneficiários.Estudante
de Pedagogia, ele paga o curso com aulas de capoeira, que ministra três
vezes por semana na faculdade.
·
Primeiro integrante da família a sentar em um
banco acadêmico, Souza já convenceu um primo a fazer faculdade. Agora, tenta
incentivar uma irmã, um sobrinho e os vizinhos.
·
Essa rede de influências positivas é comum na
Zumbi: 8 em cada 10 candidatos foram influenciados por alunos matriculados.
·
“Aqui eu me sinto em casa: todos vêm cansados do
trabalho”, brinca Ricardo Henrique Rocha, 19, indicado por um amigo. “A
metodologia (de ensino) pode ser a mesma das demais (faculdades), mas a visão
da instituição se reflete na vida de todos que estudam aqui”.
·
Rocha, que estuda Administração, pretende cursar
Publicidade depois da primeira graduação. Concluídos os estudos, quer ingressar
na política.
·
Oportunidades no mercado de trabalho
·
Com programas de estágio com empresas como
Bradesco, Carrefour, Ford, Nestlé e Mercedes, a instituição facilita o ingresso
dos alunos no mercado de trabalho.
·
A maioria dos estudantes – 85% – conclui a
faculdade empregados.
·
“Tentamos consertar o passado, desenvolvendo
pessoas no presente e dando oportunidades a elas no futuro”, garante Ulisses
Mormile, professor de Sociologia e Filosofia. “Nós preparamos o aluno para a
sociedade e lhes damos acesso às empresas.”
·
Thiago Pereira Ribeiro, um rapper de 28 anos
conhecido como Thig, cursa o segundo ano de Administração e já conseguiu
estágio em um banco. Ele conta que o sucesso de amigos que se formaram na Zumbi
influenciou sua escolha pela instituição, mas o senso de pertencimento foi o
que mais pesou.
·
“O ser humano precisa se identificar com seu
meio”, diz. “Por isso, precisamos de presidentes negros, personalidades negras,
apresentadores negros na TV.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário